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Cotidiano 25jul2019

A (re)construção da vida em situação de refúgio

O togolês Koffi Mawunam Donaldo Prosper Anthony já teve forte atuação na política do seu país, estudou marketing e comunicação, turismo e informática. Mas, após os problemas políticos de 2005, teve que deixar o Togo.

O togolês Koffi Mawunam Donaldo Prosper Anthony já teve forte atuação na política do seu país, estudou marketing e comunicação, turismo e informática. Mas, após os problemas políticos de 2005, teve que deixar o Togo. Depois de algumas andanças pela África, mora no Rio de Janeiro há seis anos. Longe de casa para viver em asilo do outro lado do oceano, Koffi teve sua vida e experiências diminuídas a uma única classe e viés: sua condição de refugiado.

Vivemos, hoje, a maior crise mundial de refugiados desde a II Guerra Mundial, são 65,5 milhões de pessoas. A questão dos refugiados tornou-se mais latente em 2015, quando a Europa recebeu mais de um milhão de pessoas fugindo de conflitos. A porta de entrada principal no continente é a Grécia ou a Itália. Para chegar lá, muitos enfrentaram os mares do Mediterrâneo — e outros tanto ficaram pelo caminho. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que mais de cinco mil morreram ou desapareceram nas travessias somente em 2018.

ACNUR — Agência da ONU para Refugiados: “Refugiados são pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados.”

Quem chegou até lá, ou foi para tantos outros países, passou a enfrentar novos desafios. A adaptação em um novo ambiente, muitas vezes sem falar o idioma ou ter a família por perto, por si só é complexa. O mercado de trabalho é outro ponto crítico. Mesmo após anos de intensos fluxos migratórios, ainda existem sérias dificuldades para integrar as pessoas que deixaram suas nações devido a temores de perseguição e risco de vida.

Koffi sentiu na pele todas essas dificuldades. Atuava na política no Togo na época em que morreu Gnassingbe Eyadema, militar que ocupou a presidência do país de 1967, quando aplicou um golpe de estado, até seu falecimento, em 2015. Tão logo o fato ocorreu, o Exército suspendeu a Constituição e nomeou o filho de Eyadema, Faure Gnassingbé, para o cargo. Koffi fazia oposição ao governo. “Pedimos por uma eleição. Tentaram organizar uma eleição mascarada e não respeitaram o resultado verdadeiro das urnas”, relembra.

Em conjunto com organizações de sociedade civil, questionaram as eleição. Fizeram atas das urnas e mostraram, em uma conferência, que o resultado era outro. Os militares os prenderam e torturaram. “Nos levaram para um campo e foi horrível. Ainda tenho algumas fotos depois que eles me bateram, ninguém me reconheceria nelas”, recorda. Tiveram que ficar na polícia por onze depois, depois foram mandados para a prisão, onde passaram um mês. Com a ajuda de organizações de direitos humanos foram libertados — mas Koffi percebeu que já não era seguro continuar no país.

“Depois disso, eles me ameaçavam de morte”, conta. Então saiu do Togo rumo à Benin, para um campo de refugiados. Ficou lá por um ano, mas, após notar a presença de espiões togoleses que trabalhavam para o Exército, decidiu se mudar para Senegal. Chegou ao país da África ocidental em junho de 2006 e permaneceu por sete anos. Por lá, retomou os estudos. Fez graduação em marketing e comunicação e foi presidente da associação de estudantes do Togo no Senegal. Foi assim que conheceu o cônsul do Togo.

KOFFI ATUAVA NA POLÍTICA DO TOGO, QUANDO PRECISOU DEIXAR SEU PAÍS DEVIDO A PERSEGUIÇÕES E AMEAÇAS. FOTO: ARQUIVO PESSOAL.

Graças a esse contato, quando foi realizada a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) de 2013, o cônsul convidou Koffi para receber o presidente do Togo, Faure Gnassingbé, no aeroporto. “Eu disse: ‘Nunca vou glorificar ele [o presidente], não reconheço o governo dele, é por isso que estou fora do Togo. Eu gosto do meu país, mas se eu gostasse do governo dele, não teria saído de lá”, recorda. A negação trouxe consequências: Koffi foi ameaçado e começou a pensar em deixar Senegal. “O governo poderia me matar a qualquer momento, fiquei apavorado”, conta.

Estima-se que 57% dos refugiados do mundo todo vêm de só três países: Síria (6,3 milhões); Afeganistão (2,6 milhões); e Sudão do Sul (2,4 milhões).

Chegada ao Brasil

A partir desse momento, escolheu aceitar um convite para vir ao Brasil participar de uma conferência mundial, no Rio de Janeiro. Com o apoio da mãe, decidiu ficar por aqui — entrou com pedido de asilo político em novembro de 2013. Esse ano, completa seis anos em terras tupiniquins, mas conseguiu um emprego formal há apenas dois. Nos outros quatro, passou por uma ONG no Vidigal até alugar uma casa própria, que mantinha com bicos.

O idioma não foi problema para Koffi, já que ele é, também, professor de francês. No entanto, a falta de uma oportunidade para trabalhar em sua área é latente em todo o seu tempo no Brasil. Até agora, nunca conseguiu um emprego em marketing, por mais que tenha validado oficialmente seu diploma. Hoje trabalha como porteiro. “Aqui no Brasil para trabalhar tem que ser indicado. Mesmo na portaria foi um amigo advogado que me ajudou”, reflete. “Quase toda semana estou fazendo entrevista, mas nunca me chamam para trabalhar.”

Hospitalidade, simpatia e cordialidade são palavras muito comuns quando brasileiros explicam seu tratamento com estrangeiros. Mas nem todos que vêm ao país recebem essas regalias. Koffi conta que procurou um grupo de escoteiros após sua chegada para fazer amizade, assim como fez em Senegal e no Benin — mas a recepção foi outra. “Quase ninguém se interessava em mim. Me sentia descartado. Quando me mudei, procurei outro grupo e foi pior. Eles me batizaram de ‘chefe importado’, isso é preconceito”, conta. Por mais que o discurso seja de fraternidade, Koffi sentiu que “não tinha amizade, não tinha calor humano nem acolhimento que eu esperava.”

KOFFI VIVE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO HÁ SEIS ANOS. FOTO: ARQUIVO PESSOAL.

Sentiu preconceito, também, quando cursava o técnico em turismo. “Todo africano aqui é considerado angolano. Chamam assim de maneira irônica. Fazem perguntas horrível: se eu corria com leões, se lá tinha supermercados e casas, se eu estava acostumado a dormir no mato”, compartilha o togolês. “Alguns pensam que a África é um país e que não tem nenhuma estrutura, só mato.”

Apesar das adversidades, Koffi tem muitos objetivos. Fez inscrição no mestrado em jornalismo cultural da UERG e está cursando informática. Gosta de fazer trilha, andar na praia e curtir forró e pagode. Aproveita, também, essa época do ano, curte quadrilha e as famosas festas juninas e julinas.

A situação em seu país de origem, infelizmente, ainda é delicada. Em 2017, a ONU reportou a chegada de 500 togoleses a Gana, que foram a pé até o país para fugir de “atentados aos direitos humanos” na região de Mango. O presidente Faure Gnassingbé continua no poder, completando quatorze anos no cargo.

* Conhecemos a história do Koffi graças às boas conexões que mantemos por aqui. O Alê, da Segunda-feira Filmes, nos passou o contato. Obrigada, Alê! 🙂

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25jul2019
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